quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Arte do Chá - O Japão


Mestre Sen-no-Rikyu

Já referimos a origem da planta do chá, do aproveitamento ancestral da essência das suas folhas numa bebida refrescante e tonificante que chegou aos nossos dias, consumida por todo o mundo, de formas diversas e com maior, menor ou praticamente nenhum ritual.
Um dos primeiros países para onde a "mania" de beber chá se exportou foi o Japão. Segundo a história nipónica, o imperador Shomu terá servido chá no seu próprio palácio a 100 monges budistas, numa altura em que a planta ainda não era cultivada no seu império, deduzindo-se que as folhas já processadas tenham vindo da China. Igualmente se refere que as primeiras sementes da camellia sinensis terão sido levadas para o Japão por um monge chamado Dengyo Daishi, depois de ter estudado na China de 803 a 805 dC, tendo-as semeado no terreno do mosteiro e servido 5 anos mais tarde chá ao imperador Saga dessa primeira plantação. Diz-se que o imperador japonês apreciou tanto a bebida que ordenou imediatamente que se cultivasse chá em 5 províncias próximas de Quioto.
Curiosamente, entre o fim do século IX e o século XI, o chá caiu em desgraça e deixou de ser bebido na corte nipónica, por motivo de as relações entre o Japão e a China terem azedado. No entanto, os monges budistas continuaram a consumi-lo para facilitar a vigília durante a prática da meditação. Como não há mal que sempre dure (...) as relações políticas entre os dois países melhoraram, no início do século XII, e Eisai, um monge japonês, teve oportunidade de ir à China e regressar com mais sementes de chá e com o novo hábito de beber chá verde em pó, macha (lê-se  mátchá) (ainda hoje usado na Arte do Chá).
Eisai não se limitou a trazer sementes de chá... introduzindo também no Japão os ensinamentos da seita Zen Rinzai. Assim, o hábito de beber chá e as crenças budistas desenvolveram-se paralelamente, acontecendo que enquanto a ritualidade relacionada com o consumo do chá na China se foi diluindo, desaparendo mesmo, os japoneses fizeram o contrário, transformando os rituais em algo ímpar e sublime.
Daí adveio a Arte do Chá (Sadô, Chadô), materializada na Cerimónia do Chá (Cha-no-Yu), algo de tecnicamente complicado para o Iniciado, que exige um padrão comportamentel e gestual rigoroso, com o objectivo de criar um "intervalo" de Quietude durante o qual (Tori e Uke, em analogia com as artes marciais) o anfitrião e os convidados (quem oferece e quem aceita chá) tentam atingir paz de espírito e harmonia universal.
Antes das incursões guerreiras, os samurai (ou bushi - guerreiros) costumavam reunir-se para adquirir elevação espiritual. Como não sabiam se sobreviveriam à batalha, procuravam participar na cerimónia como se fosse a última vez. Por isso, ainda hoje, o anfitrião se empenha ao máximo para oferecer o melhor ao convidado, procurando tornar o mais agradável possível o encontro.
O monge-zen Murata Shuko (1422-1502) foi quem estabeleceu propriamente a Cerimónia do Chá japonesa. O ritual condensa os elementos fundamentais da filosofia nipónica, baseada em quatro princípios, segundo os ensinamentos de Sen-no-Rikyu (1522-1591). Este mestre, também monge-zen, definiu a estrutura estética do “Chanoyu”, como é conhecida hoje. Considerado o maior mestre do chá e fundador da Urasenke, a mais tradicional escola de Chá do Japão, Sen-no-Rikyu identificou os quatro princípios como sendo:

  1. WA - A Harmonia (com as pessoas e com a natureza);

  2. KEI - O Respeito (pelos outros);

  3. SEI - A Pureza (do coração e do espírito) e

  4. JAKÛ - A Tranquilidade.
Okakura Tenshin (1906) escreveu no seu Cha-no-Hon (Livro do Chá):

"O chá é mais do que uma idealização da forma de beber; é uma religião da arte da vida."
e prossegue:
                        "O ritual do chá é um culto fundamentado na adoração do belo entre os factos sórdidos da existência diária. Transmite pureza e harmonia, o mistério da caridade mútua, o romantismo da ordem social."

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