domingo, 18 de novembro de 2012

Aqui, nos himalaias de mim mesmo... vivo o (des)apego à humidade cálida do chá... escutando os ecos das violências...
mizu no kokoro... a quietude mental desejada, perturbada pelo restolho do animal social, quão serenos são os cães, resta optar entre o ser-se espelho ou ser-se lente.
Recordo o aforismo de Lao Tseu... "se um mensageiro passar a correr em frente à minha porta direi que aquela carta não é para mim".
Vislumbram-se actualmente mensageiros que correm nas mais variadas direcções... temos de estar atentos e serenos, observando as terminações dessa teia tecida por tantos artesãos... alguns que deveriam ser os nossos principais defensores e são eles próprios que urdem os vectores de maior violência, como seja a injustiça social, a falta de emprego decente e derivados.
Diz-se que o primeiro milho é dos pardais... que é como dizer que a primeira violência explicita é dos vadios e parasitas... é certo que quem primeiro ocorre a seguir a fanfarra são os putos e os cães... é o natural. Mas quando o evento fica e se adensa também se rende o pasmo, os tendões embrutecem e o homem social se torna mais animal. Violências atraem-se, hiperbolam-se ou, no mínimo, tendem para se harmonizarem... como as trovoadas.
S.O.

terça-feira, 30 de outubro de 2012

Gasshô

atenuada por espirais de tempo...
esbate-se a quentura das férias pretéritas...
recomeça a falar-se de frio...
a compor a preceito as quebras do silêncio...
o vazio das conversas...
ligar ou não ligar o calor artificial...
e avaliar o custo inerente...
e a parasita e ditadora crise
fabricada pelos donos do mundo.
Momento assim...
mais do que nunca...
se alguma vez houve o nunca
de voltar ao conforto cálido do chá,
de aquilatar essa quentura com a harmonia que ensejamos
e o vapor estilizado nos vidros da janela... pela quase ebulição da água
o fluído elemento onde se agita,
em sílabas de hiragana, o aromático pó do chá...

Gasshô

SO

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Arte do Chá não é economia

Costumo dizer que praticar a arte do chá consiste em aprender a perder tempo. Contudo não resulta pacífica esta afirmação, não sendo geralmente bem interpretada pela maior parte das pessoas que a ouvem, penso que por habituadas que estão a uma valorização economicista do tempo. O próprio Sensei Rikyu costumava "menorizar" a prática da arte dizendo que o ritual consistia apenas em aquecer água e misturar-lhe, um pouco antes da ebulição, algumas folhas de chá...
A Arte do Chá não é economia (felizmente) nem ciência... e nem sequer tem de ser filosofia, desporto ou arte (no sentido tradicional).
Quando explico o aprender a perder tempo, tenho encontrado amigos que complementam essa ideia com "pois, aprender a perder tempo... ganhando tempo!". Remato a "discussão" perguntando "porquê, essa preocupação permanente de ganhar?!"... Prefiro ver o Chá apenas como Estar.

S.O.


quinta-feira, 21 de junho de 2012

Chá Gorreana


Visitei recentemente a Gorreana, em S. Miguel, exemplo praticamente único do cultivo da camellia sinensis (planta do chá) em Portugal e pensei em quão diminuta é essa produção, tendo em conta o facto de o nosso país ter sido o introdutor da bebida no continente europeu, via Macau. Certo que essa introdução não se fez através do cultivo (isso muito mais recentemente) mas apenas do fluxo de mercadorias provindas do Oriente.
Sabe-se que a planta não se dá de igual modo em qualquer parte do planeta e que encontrou nos Açores condições minimamente favoráveis ao seu medro. Mesmo assim, sobretudo na conjuntura da globalização e de crise em que se vive, a sua existência em S. Miguel, em moldes quase familiares e semi-mecanizados, veste-se de uma persistência digna de realce... que se conjuga muito apropriadamente com a veneração pelo chá e seus derivados.
Mesmo não se apresentando o Gorreana sob a forma de macha, a degustação introspectiva, meditativa ou mesmo meramente social de infusões das suas apresentações (quatro tipos, entre o verde e o preto) afigura-se-nos interessante e acrescentadora dum maravilhoso toque de gosto português... que não se deve desprezar.
Gasshô.

S.O.




quinta-feira, 17 de maio de 2012

Momentos de crise...

O momento é de objectiva crise. Já não é de agora e não atinge a todos da mesma maneira. Para alguns até poderá ser libertador, descobrirem-se quase de repente desasfixiados da oxidação resultanto do dinheiro a mais... embora a maior parte dos que tinham muito dinheiro o continuem a ter, hiperbolado.
Tenho pra mim que o dinheiro, a riqueza, é como a água... não diminui a quantidade geral mas sim a potável... e o dinheiro, como dizia Luther King, existe a menos no bolso de uns na medida em que existe a mais no bolso de outros.
O problema não é a falta de dinheiro ou riqueza, ou de comida, mas a muito má distribuição. Indiferentes, insensíveis, aos sacrifícios dos pobres e honrados, dos pequenos empresários, o grande e corrupto capital, a besta imunda e desumana, continua a espalhar a discórdia, a fome, a guerra e a insegurança entre as gentes honestas.
Cientes de que pouco podemos fazer para controlar o monstro, resta-nos mantermo-nos fieis aos princípios duma vivência honesta e cívica, a dizer NÃO à besta, sobretudo quando quer argumentar ser representativa pelo selo do nosso voto... e praticar a serenidade com a natureza e o chá.
Quando digo chá, não me refiro a uma bebida ou maneirismo orientados pelo relógio, em salões sociais mais ou menos doirados, com sumptuosidade e pontuação de outras excrescências da burguesia capitalista ou em ânsias de o ser. Digo chá na interioridade de Sen no Rikuy (O-Sensei), da contemplação harmoniosa das coisas simples, usando como suporte a infusão de camélia sinensis, a apreciação da moderada quentura e o seu reflexo dialéctico no nosso corpo construído e personalizado, aferido de acordo com normas, princípios e aceitação cósmica. Valorizaremos muito mais uma brisa a modelar o trajecto do vapor do chá que a pseudo-verdade das crises fabricadas na América e noutros leitos do demónio verdadeiro... Gasshô.
S.O.

terça-feira, 15 de maio de 2012

Naco de serenidade...


‎... sempre encontro uma boa dose de serenidade quando mimo as minhas plantas ou cofio o pêlo dos cães, à mingua de outros toques estáticos... isto, e a quase fervura do macha (mátchá) que com sua verdura músguica e ecos de sabi me induz em espirais de espuma e wabi... então, o latejar fortuito da urtiga, o latir debruado no estio da canino, ou mesmo o murmúrio arrumado da cidade, fazem todo o sentido neste meu naco de serenidade conquistado...
S.O.

quarta-feira, 9 de maio de 2012

Confissão a uma flor de Maio


... cada vez me convenço mais... e só n mais por uma espécie de cega fé que os idílios produzem... que já n te lembras de mim...
e o único lenitivo para esse desconforto emotivo, sentimental digamos, é o reconhecimento, racional, de que n me pertences, duplamente n pertences... e de que, de qq modo, nunca teria o direito, puramente falando, de esperar outra coisa de ti que não fosse a produção da tua própria vontade...
tens mais direito a ti própria do que eu... ou qq outra pessoa... mesmo tendo em conta que como tu (teu) tb se entenda o partilhares-te com outrem... com quem o desejares...
... na realidade... se há secura e chuvas pela terra.. pq não igual contraste pelas almas e sentimentos?... de qq modo permaneço com a taça de chá pronta para ti. Shitsurei shimasu...
S.O.

sexta-feira, 13 de abril de 2012

O Nirvana do Iluminado

Por Vaisali, com 80 anos, Buda andou ainda de porta em porta, esmolando. Depois tomou o caminho de Kusinara, pela orla dum bosque de mangueiras. E chegando à beira dum poço donde uma mulher «intocável» tirava água, pediu-lhe de beber. Recuando espavorida, a mulher exclamou: «Senhor, não vos aproximeis, que sou impura!» Então Buda, imperativo mas com doçura, ordenou:
«Aproxima-te e dá-me de beber. Eu não te perguntei quem tu eras, nem quem era teu pai, nem quem era tua mãe. Pedi-te de beber, porque és minha irmã e eu tenho sede.»
Então pediu que lhe fosse preparado um leito no chão, entre duas árvores. Sobre esse leito de folhagem caíam as flores das salas. E o ribeiro corria no seu leito de calhaus. Como a noite era quente e de luar, alguns aldeões vieram assistir ao Mestre. E o seu espírito cessando de existir, o Perfeito, príncipe dos Sakyas, o Iluminado, entrou no Nirvana.
E junto às portas da cidade, a gente de Kusinara elevou uma pira e sobre ela queimou o seu corpo. (Mahaparinibana-Sutra, texto pali).

A Anona

Tem mil e quarenta e cinco
                              caroços
cada um com uma circunferência
                               à volta
agrupando-se todos
                              (arrumadinha)
no pequeno útero verde
                                    da casa

luanda, 84   Paula Tavares

A Luz Infinita

De onde a onde alcança
esta luz da Verdade?

Se nada a intercepta
esta luz original
propaga-se em todas as direcções, sem limites.

Mas construímos espessas paredes,
impedimos a sua entrada,
fechados em tocas privadas,
alimentando o vício do ego
a palavra «Buda», uma mácula em não-mente.

Ao sermos apenas não-mente
no verdadeiro vazio,
a vida da infinita luz da Verdade
a inocente natureza da não-mente, não-ego,
amor sem limites da sinfonia-ecocósmica
cumprem-se naturalmente Aqui-Agora
neste encontro.

É isto.

Hôgen Daidô

terça-feira, 3 de abril de 2012

CADA PARTÍCULA

CADA PARTÍCULA elementar contém todo
o universo,
Cada instante compreende vida única e infinita.

Um a um,
Buda a Buda,
o insondável mistério desta existência,
A nascente das nascentes.

O universo não é vasto, eu não sou ínfimo,
Mas que diabo faço eu aqui?!
Invisível abismo pelo qual
posso, a cada instante, regressar ao céu,
à terra, ao inferno, ou a casa!

O que sou eu?!
Sou aquilo que encontro,
Encontramo-nos agora mesmo - tu és o universo.

Neste último Aqui-Agora, um com o todo,
Vivemos (morrendo)
com o original bater do coração da infinidade.

Hôgen Daidô

domingo, 15 de janeiro de 2012

O estranho desiquilíbrio

Naquele dia o mestre de Judô reservou boa fatia do treino para o exterior, desafiando a classe a o acompanhar numa corrida pelos caminhos tortuosos da localidade. Para além do olhar aparvalhado dos indígenas, pouco habituados a ver uma corrida de pijamas, ou de seminaristas, e até houve quem pensasse que de sandokans esotéricos (...), os próprios alunos se dividiam interiormente, entre o achar a experiência lógica e benfazeja e os que não entendiam a loucura delirante do seu líder.
A certa altura, entre tojos, musgos e pedras, o mestre trpeçou e entrou em franco desiquilíbrio. Aproveitou entretanto a oportunidade para executar um exemplar zenpu-ukemi, evitando arronhões, entorses ou maleitas afins. Reparou entretanto que toda a classe o imitou.
Mais à frente o terreno evidenciou-se lamacento e escorregadio. De tal modo que, qual casca de banana, em certo momento o mestre quase que caiu novamente mas, desta feita, conseguiu, embora com grande dificuldade, manter-se em pé. Ao chegarem ao sossego do dôjo os discipulos achavam-se algo inconformados e perplexos... porque ninguém tinha entendido a 2.ª técnica de desiquilíbrio ensaiada pelo mestre. Terão tentado imitá-lo mas sem sucesso... afinal que técnica rara era aquela?...

(isto passou-se nos arredores de Abrantes, com Mestre Correia)

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

a erosão do tempo

em posição semi-fetal... acabrunhado pela erosão do tempo... hesito entre pôr ou não pôr os sapatos em cima da cama... e, perante esta empresa hercúlea, fico imaginando, aquilatando a incomodidade, do Condestável... perante o dilema de combater por nós ou contra nós...

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

O ladrão e a lua

Quando o mestre à noite regressou ao seu modesto alojamento, surpreendeu um ladrão em busca de alguma coisa com préstimo.
"Como consegues tu procurar de noite aquilo que eu não vejo de dia?!"
Ultrapassado o momento de estupefacção, o larápio escapuliu-se assustado, e sem nada. O mestre caminhou até à janela, encarou a lua brilhante e exclamou: "Pobre ladrão incompetente!... fugiu sem levar a lua!!!"...

Depois da euforia, o retorno ao chá

Confesso que estranho a euforia, o espalhafato mesmo, com que tanta gente festeja o fim de um ano civil e o começo de outro, a passagem-de-ano. O que tradicionalmente faço é repetir o Natal no Ano Novo, o que nunca me parece demais.
Mesmo fruindo as noites junto à lareira, ronronando com os gatos, com as crias e restante família, em amena serenidade, não se consegue evitar ser bulido pela agitação da turbe.
Os tempos que se seguem são sempre de obrigatório retorno à calma, outra calma, quanto mais não seja pela maresia digestiva, a exigir caldos mais mornos e contidos.
E volta-se ao culto do chá. Retoma-se o retempero quotidiano do contraste com afazeres e movimentos repetidos. A temperatura exterior, provada pelo embaciamento dos vidros, convida a momentos-ilhas de reencontro da serenidade sob o bafo do macha. Por outro, lado convém recuperar gestos, arejar a memória, ultrapassar dúvidas... e manter no palato, por longos minutos, o sabor especial do puro chá verde.