domingo, 15 de janeiro de 2012

O estranho desiquilíbrio

Naquele dia o mestre de Judô reservou boa fatia do treino para o exterior, desafiando a classe a o acompanhar numa corrida pelos caminhos tortuosos da localidade. Para além do olhar aparvalhado dos indígenas, pouco habituados a ver uma corrida de pijamas, ou de seminaristas, e até houve quem pensasse que de sandokans esotéricos (...), os próprios alunos se dividiam interiormente, entre o achar a experiência lógica e benfazeja e os que não entendiam a loucura delirante do seu líder.
A certa altura, entre tojos, musgos e pedras, o mestre trpeçou e entrou em franco desiquilíbrio. Aproveitou entretanto a oportunidade para executar um exemplar zenpu-ukemi, evitando arronhões, entorses ou maleitas afins. Reparou entretanto que toda a classe o imitou.
Mais à frente o terreno evidenciou-se lamacento e escorregadio. De tal modo que, qual casca de banana, em certo momento o mestre quase que caiu novamente mas, desta feita, conseguiu, embora com grande dificuldade, manter-se em pé. Ao chegarem ao sossego do dôjo os discipulos achavam-se algo inconformados e perplexos... porque ninguém tinha entendido a 2.ª técnica de desiquilíbrio ensaiada pelo mestre. Terão tentado imitá-lo mas sem sucesso... afinal que técnica rara era aquela?...

(isto passou-se nos arredores de Abrantes, com Mestre Correia)

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

a erosão do tempo

em posição semi-fetal... acabrunhado pela erosão do tempo... hesito entre pôr ou não pôr os sapatos em cima da cama... e, perante esta empresa hercúlea, fico imaginando, aquilatando a incomodidade, do Condestável... perante o dilema de combater por nós ou contra nós...

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

O ladrão e a lua

Quando o mestre à noite regressou ao seu modesto alojamento, surpreendeu um ladrão em busca de alguma coisa com préstimo.
"Como consegues tu procurar de noite aquilo que eu não vejo de dia?!"
Ultrapassado o momento de estupefacção, o larápio escapuliu-se assustado, e sem nada. O mestre caminhou até à janela, encarou a lua brilhante e exclamou: "Pobre ladrão incompetente!... fugiu sem levar a lua!!!"...

Depois da euforia, o retorno ao chá

Confesso que estranho a euforia, o espalhafato mesmo, com que tanta gente festeja o fim de um ano civil e o começo de outro, a passagem-de-ano. O que tradicionalmente faço é repetir o Natal no Ano Novo, o que nunca me parece demais.
Mesmo fruindo as noites junto à lareira, ronronando com os gatos, com as crias e restante família, em amena serenidade, não se consegue evitar ser bulido pela agitação da turbe.
Os tempos que se seguem são sempre de obrigatório retorno à calma, outra calma, quanto mais não seja pela maresia digestiva, a exigir caldos mais mornos e contidos.
E volta-se ao culto do chá. Retoma-se o retempero quotidiano do contraste com afazeres e movimentos repetidos. A temperatura exterior, provada pelo embaciamento dos vidros, convida a momentos-ilhas de reencontro da serenidade sob o bafo do macha. Por outro, lado convém recuperar gestos, arejar a memória, ultrapassar dúvidas... e manter no palato, por longos minutos, o sabor especial do puro chá verde.