sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Livro de Reclamações = ASAE = DECO = Fraude!

Apresento-vos três entidades divinas, objecto de culto quase religioso pelos fazedores de opinião, nomeadamente os jornais, rádios e televisões - como sejam o Livro de Reclamações (LR), a ASAE e a DECO (Defesa do Consumidor). Também vos apresento outra entidade, do outro lado da balança, satanizada, que os mesmos meios de difusão de notícias e propaganda apontam como o mal - a Fraude. No entanto, o que pretendo dizer-vos é que amiúde tudo se mistura e não sobra distinção alguma entre o Bem e o Mal.

Começo logo pela própria DECO, de que fui associado até há bem pouco tempo, até concluir que não lucrava nada com isso, antes pelo contrário.

(continua)

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Arte do Chá - O Japão


Mestre Sen-no-Rikyu

Já referimos a origem da planta do chá, do aproveitamento ancestral da essência das suas folhas numa bebida refrescante e tonificante que chegou aos nossos dias, consumida por todo o mundo, de formas diversas e com maior, menor ou praticamente nenhum ritual.
Um dos primeiros países para onde a "mania" de beber chá se exportou foi o Japão. Segundo a história nipónica, o imperador Shomu terá servido chá no seu próprio palácio a 100 monges budistas, numa altura em que a planta ainda não era cultivada no seu império, deduzindo-se que as folhas já processadas tenham vindo da China. Igualmente se refere que as primeiras sementes da camellia sinensis terão sido levadas para o Japão por um monge chamado Dengyo Daishi, depois de ter estudado na China de 803 a 805 dC, tendo-as semeado no terreno do mosteiro e servido 5 anos mais tarde chá ao imperador Saga dessa primeira plantação. Diz-se que o imperador japonês apreciou tanto a bebida que ordenou imediatamente que se cultivasse chá em 5 províncias próximas de Quioto.
Curiosamente, entre o fim do século IX e o século XI, o chá caiu em desgraça e deixou de ser bebido na corte nipónica, por motivo de as relações entre o Japão e a China terem azedado. No entanto, os monges budistas continuaram a consumi-lo para facilitar a vigília durante a prática da meditação. Como não há mal que sempre dure (...) as relações políticas entre os dois países melhoraram, no início do século XII, e Eisai, um monge japonês, teve oportunidade de ir à China e regressar com mais sementes de chá e com o novo hábito de beber chá verde em pó, macha (lê-se  mátchá) (ainda hoje usado na Arte do Chá).
Eisai não se limitou a trazer sementes de chá... introduzindo também no Japão os ensinamentos da seita Zen Rinzai. Assim, o hábito de beber chá e as crenças budistas desenvolveram-se paralelamente, acontecendo que enquanto a ritualidade relacionada com o consumo do chá na China se foi diluindo, desaparendo mesmo, os japoneses fizeram o contrário, transformando os rituais em algo ímpar e sublime.
Daí adveio a Arte do Chá (Sadô, Chadô), materializada na Cerimónia do Chá (Cha-no-Yu), algo de tecnicamente complicado para o Iniciado, que exige um padrão comportamentel e gestual rigoroso, com o objectivo de criar um "intervalo" de Quietude durante o qual (Tori e Uke, em analogia com as artes marciais) o anfitrião e os convidados (quem oferece e quem aceita chá) tentam atingir paz de espírito e harmonia universal.
Antes das incursões guerreiras, os samurai (ou bushi - guerreiros) costumavam reunir-se para adquirir elevação espiritual. Como não sabiam se sobreviveriam à batalha, procuravam participar na cerimónia como se fosse a última vez. Por isso, ainda hoje, o anfitrião se empenha ao máximo para oferecer o melhor ao convidado, procurando tornar o mais agradável possível o encontro.
O monge-zen Murata Shuko (1422-1502) foi quem estabeleceu propriamente a Cerimónia do Chá japonesa. O ritual condensa os elementos fundamentais da filosofia nipónica, baseada em quatro princípios, segundo os ensinamentos de Sen-no-Rikyu (1522-1591). Este mestre, também monge-zen, definiu a estrutura estética do “Chanoyu”, como é conhecida hoje. Considerado o maior mestre do chá e fundador da Urasenke, a mais tradicional escola de Chá do Japão, Sen-no-Rikyu identificou os quatro princípios como sendo:

  1. WA - A Harmonia (com as pessoas e com a natureza);

  2. KEI - O Respeito (pelos outros);

  3. SEI - A Pureza (do coração e do espírito) e

  4. JAKÛ - A Tranquilidade.
Okakura Tenshin (1906) escreveu no seu Cha-no-Hon (Livro do Chá):

"O chá é mais do que uma idealização da forma de beber; é uma religião da arte da vida."
e prossegue:
                        "O ritual do chá é um culto fundamentado na adoração do belo entre os factos sórdidos da existência diária. Transmite pureza e harmonia, o mistério da caridade mútua, o romantismo da ordem social."

Miguel Torga - Purificação


PURIFICAÇÃO

Não é propositado o meu silêncio.
São as próprias palavras que não querem
Dizer nada de mim.
Cansaram-se do uso
E do abuso
Que fiz delas
A vida inteira.
Prostituídas na minha voz,
Que o tempo corrompeu,
Mentirosas nas horas mais sinceras,
Regressaram de novo à virgindade
Que lhes roubei.
E aguardam servir outra humanidade
Que comece por onde comecei.

M.T.,  Coimbra, 28 de Julho de 1979


segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Jacques Brel

Jacques Brel


LA CHANSON DES VIEUX AMANTS

1967


Bien sûr nous eûmes des orages
Vingt ans d'amour c'est l'amour folle
Mille fois tu pris ton bagage
Mille fois je pris mon envol
Et chaque meuble se souvient
Dans cette chambre sans berceau
Des éclats des vieilles tempêtes
Plus rien ne ressemblait à rien
Tu avais perdu le goût de l'eau
Et moi celui de la conquête

Mais mon amour
Mon doux mon tendre mon merveilleux amour
De l'aube claire jusqu'à la fin du jour
Je t'aime encore tu sais je t'aime

Moi je sais tous tes sortilèges
Tu sais tous mes envoûtements
Tu m'as gardé de pièges en pièges
Je t'ai perdue de temps en temps
Bien sûr tu pris quelques amants
Il fallait bien passer le temps
Il faut bien que le corps exulte
Finalement finalement
Il nous fallut bien du talent
Pour être vieux sans être adultes

O mon amour
Mon doux mon tendre mon merveilleux amour
De l'aube claire jusqu'à la fin du jour
Je t'aime encore tu sais je t'aime

Et plus le temps nous fait cortège
Et plus le temps nous fait tourment
Mais n'est-ce pas le pire piège
Que vivre en paix pour des amants
Bien sûr tu pleures un peu moins tôt
Je me déchire un peu plus tard
Nous protégeons moins nos mystères
On laisse moins faire le hasard
On se méfie du fil de l'eau
Mais c'est toujours la tendre guerre

O mon amour...
Mon doux mon tendre mon merveilleux amour
De l'aube claire jusqu'à la fin du jour
Je t'aime encore tu sais je t'aime.

frio em Paris

procurei-te no grand boulevard
e encontrei-te bem perto
 do triunfo
chamo-te a minha liberdade
e por isso
 te amo
...e me enches de saudade...

sábado, 13 de fevereiro de 2010

José Régio



Cântico Negro

"Vem por aqui" - dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...

sábado, 6 de fevereiro de 2010

Arte do Chá - As Origens


Contam-se várias histórias/lendas sobre a origem do chá, que como já foi dito deriva da camellia sinensis, algumas raiando notoriamente o inverosímel (puras lendas), como aquela (já influenciada pela cultura budista) que reza serem as folhas de chá nada mais que as pálpebras do Buda, que ele terá cortado no intuito de combater o sono e prosseguir a meditação.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Arte do Chá - Introdução (continuação)

Outro obstáculo inicial à compreensão do Sadô tem a ver com a imagem anterior que se tem do próprio chá, sobretudo num contexto inglesado.  Fala-se muito do "chá das cinco", em alusão ou comparação com os costumes e tradições ingleses, seguidos também por uma certa camada de portugueses mais ou menos aristocratas ou jet-setianos. Por outro lado, há muito quem refira, e tal já aconteceu no Café das Ciências Sociais, que o que determinada pessoa precisa é de beber muito chá, numa alusão pretensamente esclarecida (e altiva) de que essa pessoa é um bruto, rude, mal-educado, etc. Tudo isto advém dessa visão de fleuma britânica do "Tea", que não tem propriamente correspondência na verdadeira Arte do Chá.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Arte do Chá - Introdução



Não foi em vão que se apelidou este pequeno espaço de O Canto do Chá. Pessoas há que interpretam isso num sentido quase pejorativo, decorrente da expressão "dar chá", mas podem crer que tal nunca esteve na intenção do fundador deste blog. É certo que há uma certa similitude com a expressão O Café das Ciências Sociais, e tal é intencional, não o nego... mas é só isso. Apelidei este canto como do chá sobretudo pela veneração (e prazer) que tenho pela arte do chá e porque me parece ser o meio académico, nomeadamente de Ciências Sociais e Antropologia um bom terreno para a disseminação benfazeja desta arte.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

O Samurai e o Tolo


Numa tarde serena, quase se pondo o sol... deslizava entre ilhas uma barcaça com vários passageiros... entre os quais um bushi (samurai) japonês, famoso na arte de desembainhar o sabre (Iaidô). No meio de todos, um jovem descortinou-o, e ansiando por fama dirigiu a palavra ao mestre, rapidamente juntando tons de desafio. Sereno, o bushi resistiu à tola verborreia, à insenta e vaidosa fanfarronice do neófito. Porém, a insistência e zomberia do destemperado rapazola, ajudado por gestos, acabou por perturbar a a população da embarcação, de modos que o samurai acabou por aceitar o desafio.
Porém impôs uma exigência... a de que o duelo não poderia ser alí na barcaça, não apenas por falta de espaço mas também pelo perigo que poderia resultar para a integridade física dos outros passageiros. Sugeriu uma insula alí perto. O atrevido aprendiz de sabre aceitou e, logo que o barco tocou as ervas e limos da pequena ilha saltou para a mesma preparando-se para desembainhar a arma.
O samurai ajudou-o na tarefa com um certo empurraozinho e, logo que o sentiu com os pés em terra impulsionou a embarcação no sentindo contrário, continuando dentro da mesma.
O jovem incauto ficou sozinho na insula, esbracejando, combatendo com o vento, sozinho, como o verdadeiro tolo que era.
E o samurai continuou a viagem, com o sabre embainhado, como é próprio da mestria na arte do Iaidô.