terça-feira, 2 de novembro de 2010

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

segunda-feira, 12 de julho de 2010

O Caminho - Dô

O homem que não tenha a capacidade de fazer um arranjo com flores ou servir um chá não será capaz de manejar uma espada com o mínimo de mestria.
SO

quarta-feira, 30 de junho de 2010

A Terra Pura de Alan Spence

Segundo a editora (Presença), A Terra Pura é um romance absorvente onde dois mundos distantes e antagónicos, Oriente e Ocidente, se encontram na figura do protagonista, criando uma história arrebatadora. O livro inicia-se assim:

1
O PORTAL SEM PORTA
Nagasáqui, 1945

    Se Tomisaburo não tivesse visto com os seus próprios olhos, não teria acreditado. Aquilo era o terrível fim de tudo, a aniquilação, o nada. Uma única explosão devastara metade da cidade, destruíra-a num instante, reduzíra-a a escombros e pó. A casa dele ficava em Minami Yamate, a colina a sul, sobranceira à baía. Era longe do epicentro, e encontrava-se protegida a sotavento. Esse simples facto salvara-a da destruição.
    Ele estava sentado à secretária, contemplando o pinheiro lá fora, no jardim, a árvore que dera o nome à casa, Ipponmatsu, Pinheiro Solitário. A árvore era anterior à casa, já lá se encontrava antes de o pai dele ter escolhido o local e lançado as fundações. Fora a primeira casa ocidental da colina, construída de pedra. Se fosse feita de madeira e papel, ter-se-ia desfeito em cinzas naquele vento escaldante?
    Na semana anterior, tinha aberto o Sutra do Diamante e passado as páginas, à procura de um significado. «Despertar a mente sem a fixar em parte alguma.» O poeta Basho escrevera: «Aprende acerca do pinheiro com o pinheiro.» Aprende como lamentar. Actualmente tudo era uma meditação sobre transitoriedade, efemeridade. Ele era um velho. Fora uma crueldade da Kenpeitai, a polícia não tão secreta como isso, interrogá-lo. Devido aos seus antecedentes tinham pensado que ele era um espião. Era o seu destino, o seu karma, ser apanhado entre dois mundos. Nem uma coisa nem outra. Nem carne nem peixe. Agora iam chegar os americanos. Tinham sido eles a forjar aquele horror. Não havia esperança.
    O clarão iluminara o céu, uma luz branca, momentaneamente mais clara que ao meio-dia. Ele fechara os olhos, com a imagem do pinheiro a queimar-lhe a retina. Depois o ruído enchera os céus, imenso e atroador, tão forte que doía. Ele tapava os ouvidos enquanto a casa inteira estremecia e todas as janelas se despedaçavam e o vento seco e quente entrava de roldão, devastando tudo.
    Sem pensar, um homem num sonho de si próprio, levantara-se sacudindo da roupa fragmentos e partículas de vidro. Sem pensar, escovara a manga com a mão, e sentira a ferroada enquanto o sangue surgia em cada minúsculo corte dos seus dedos, da sua palma aberta. Sem pensar, dirigira-se para fora aos tropeções, tentando assimilar a enormidade do que acontecera. De repente tudo ficara escuro, como numa tarde de Inverno, mas o vento que soprava continuava quente. O fumo de um edifício incendiado dissipou-se e ele olhou na direcção da cidade, mas esta desaparecera. Tudo o que havia para norte fora obliterado, todos os pontos de referência arrasados. Nada que fosse vertical permanecia de pé, excepto aqui e além uma chaminé de fábrica, o esqueleto da estrutura de um armazém. Por toda a parte deflagravam pequenos incêndios, juntando o seu fumo ao manto cinzento que cobria tudo.
...
Espero ter proporcionado uma ideia da obra, interessante sobretudo para os amantes da cultura nipónica e da literatura em geral. Bem traduzido, por Manuela Madureira, e em português autêntico, ainda não contaminado pelo àcôrdjinho.

terça-feira, 29 de junho de 2010

A Arte do Chá - A Chawan


Chawan é a chávena, peça de porcelana em que se serve o chá, após devidamente batido pelo executante. Constitui um utensílio muito importante no Cha-no-Yu e é passível de constituir o centro de alguma conversa que se estabeleça entre os participantes. As chávenas podem chegar a ser caríssimas, se originárias de um grande mestre oleiro ou com muita tradição ou história. De qualquer modo é sempre um objecto muito querido pelos amantes desta arte. A etiqueta do ritual tem esse princípio em consideração ao estabelecer que os participantes numa cerimónia de chá não devem usar aneis nem quaiquer outros artefactos que possam ferir (riscar) a superfície da chawan, sob pena de estarem a provocar constrangimento e apreensão a quem lhes oferece chá.
Quem aceita o chá deve agradecer esse gesto amistoso, segurando sempre a chávena com as duas mãos, a esquerda como base de apoio e a direita para a dirigir e rodar conforme o estabelecido. É de bom tom, após tomar o chá e sentir a sua quentura, "perder" algum tempo observando a chawan... as suas faces, a sua parte frontal, as evidências do artesão, a sua delicadeza e beleza... e disso fazer reparo ao anfitrião, duma forma serena e positiva... e até questionar sobre a sua origem... sempre num tom que não se sobreponha ao do ambiente, nem impeça a percepção do murmúrio da água, da chuva ou do vento... lá fora e cá dentro. 

segunda-feira, 14 de junho de 2010

O Murmúrio do Sentimento

Não sendo a cerimónia do chá (Cha-no-Yu) a plataforma mais adequada para se discutir a bola, dizer mal dos nossos políticos ou nutrir temas ainda mais hilariantes, os neófitos da arte do chá ficam constrangidos e até receosos sobre o que esperar duma "cena" daquelas e com dúvidas de como se comportarem. Essa situação de incerteza fica ainda mais marcada por depararem com algum exotismo oriental, por vezes o uso de kimono's e tatami's. Manter a serenidade é, entretanto, fundamental.
Sen-no-Rikyu, grande arquitecto do Sadô, costumava dizer que nada havia de especial na arte, que consistia apenas em juntar folhas de camellia sinensis com água quase fervente... e humildemente servir a infusão daí resultante aos convidados... O Mestre acrescentava ainda, quase à laia de desculpa, que era um inveterado bruto (que tal tivessem em atenção... pois mais nada era de esperar duma criatura assim)...
Aparentemente não é tão dificil assim. Depois de quebrado o gelo do constrangimento exótico, o neófito, de memória fresca e nutrida, observa o ritual do chá como algo fácil de decorar em poucos dias. E não está completamente errado, está a seguir a configuração natural do seu próprio tempo. Ser jovem é mesmo assim - ter certas faculdades aprimoradas, ser célere, desembaraçado, confiante, memorizador. O tempo, o mesmo tempo, se encarregará de lhe demonstrar que há um tempo para tudo.
A grande mensagem deixada por Sen-no-Rikyu é a do Sentimento (Kokoro, Kimochi). Assim, no contexto da arte, a técnica é bem pouco importante, comparada com o sentimento. Podemos até dizer que sem sentimento não há arte, por muita aparente técnica que exista. Saber disto, ter a noção desta forma de ver a arte, pode ser uma plataforma de alívio para o neófito mergulhado na confusão do Sentir a arte. Sem sentimento, de que vale a técnica?... Poderemos até perguntar, de que vale o chá?
Alguém já perguntou se a arte do chá não poderia materializar-se no consumo de café ou cerveja... em vez de chá. Pode dizer-se, respeitando o espírito da arte, que não seria a bebida ingerida que modificaria o essencial, desde que que com o apropriado sentimento. O chá funciona como um pretexto material para algo que se pretende mais sublime. O praticante da arte do chá gosta da bebida chá mas ela própria não constitui o mais importante da prática. Se não houvesse chá, poderia de facto ritualizar-se com outra qualquer bebida, mesmo com água. Quem oferece chá procura fazê-lo da melhor maneira, transmitindo o melhor de si.
Convencionou-se privilegiar o silêncio, ou pelo menos o desapego momentâneo a conversas mundanas e geradoras de preocupações. Quando se fala, no Cha-no-Yu, é sobre o próprio chá, sobretudo sobre os utensílios, sensações e prazer das coisas simples.

Gasshô

sexta-feira, 11 de junho de 2010

Apontamentos da Arte do Chá

Costumo dizer que Sadô é uma arte de aprender a perder tempo... Tal como na maioria das artes nipónicas, a pressa não faz sentido, até porque se manifesta inimiga do sentimento. Os ocidentais, consumidores de chá numa vertente diferente, de marcação social e afirmação luxuosa, dificilmente entenderão a humildade e sobretudo o silêncio duma sessão de Cha-no-Yu. Quando digo silêncio, não me refiro à completa ausência de sons, sendo até que a percepção da sonoridade envolvente se revela como uma das delícias proporcionadas pela cerimónia, mas à ausência de conversas "importantes", como a discussão política ou social. Em Cha-no-Yu aprecia-se o som da água, quase fervente, e do manuseamento cerimonial dos utensílios presentes... bem como a melodia distante do tempo e das pessoas, aparentemente afastadas de nós. Com a calma que praticamos na arte, esperamos por elas, mantendo a água pura e quente... a chawan seca... e o macha (mátchá) bem verde... esperando a diluição da longínqua agitação urbana na espuma da meia-lua que oferecemos.
Gasshô.



O Culto do Chá (Contin.)






quinta-feira, 3 de junho de 2010

O Culto do Chá (cont.)






Venceslau de Moraes - O Culto do Chá

Como já tive oportunidade de referir, o chá foi introduzido na Europa pelos portugueses e não faz sentido iniciar o estudo do chá por autores estrangeiros, uma vez que dispomos de um livro de Venceslau de Morais sobre o tema.
Essa obra encontra-se digitalizada e será aqui postada em seguida.


segunda-feira, 31 de maio de 2010

Contar até 10...

Mesmo não se falando a língua japonesa (nihon-go) é por vezes conveniente saber contar até 10, porque essa contagem é muito usada nos dôjo e em algumas situações de convívio com pessoas japonesas.
Deve no entanto referir-se que esta forma de contar, a seguir exposta, se refere somente ao contar abstracto, matemático, que serve para usar na ginástica (contando por exemplo abdominais) e artes marciais mas não serve para contar pessoas, objectos, realidades, etc. Estar apto a contar qualquer tipo de coisa já não é tão acessível, exigindo um nível razoável de domínio da língua.

Contagem Abstracta:

0 - Zero (zérô); Rei (...rei)
1 - Ichi (itchi)
2 - Ni
3 - San
4 - Shi (chi); Yon (ión)
5 - Go (gô)
6 - Roku (rôku)
7 - Shichi (chitchi); Nana (nána)
8 - Hachi (hátchi)
9 - Ku; Kyu (kiu)
10 - Ju

Como se pode verificar, alguns numerais apresentam mais que uma forma de dizer, o que permite escolher para evitar confusão de dicção, ao dizer por exemplo o número do nosso telefone ou as horas.
Exemplo: 7 horas --- shichi-ji ,  poderá dizer-se nana-ji, com sílabas mais perceptíveis.

sexta-feira, 28 de maio de 2010

O Significado da Palavra "Oss"

Muitos portugueses praticantes de artes marciais já se habituaram ao uso de "Oss" (おす, Osu) dentro e nas "imediações" dos Dôjo. Porém, verifica-se amiúde que a maior parte não sabe o seu significado. E é natural que não saibam porque na realidade ele não vem expresso nos jisho (dicionários) e não existe também um significado formal e padronizado para essa palavra/expressão derivada do calão militar. Convém entretanto advertir os seus utilizadores, habituados a usar esse termo no ambiente de treino, para não o fazerem no âmbito da sociedade civil, no caso de irem ao Japão ou de receberem cá visitantes japoneses.
No Japão, é normal um aluno ser expulso da sala de aula duma universidade se responder ao professor com "oss" (por vezes diz-se "uss") por tal ser considerado manifesta má-educação. O nosso budoka ficaria perplexo perante tal situação, habituado que está a saudar o mestre com "oss"... rs.
O problemas é que a expressão "oss" só é aceitável (no Japão), e até incentivado o seu uso, em ambientes de dôjo, ginásios desportivos e afins, isto é, em ambientes em que o praticante tem mais que fazer do que estar a tertuliar. Então usa "osu" como cumprimento, como sinal de compreensão da matéria explicada, para pedir para se retirar, etc.. Num ambiente como o universitário contudo tal não é admissível porque o que se espera do aluno é que converse, que use a dialéctica da palavra, e não um acabrunhado ou exaltado "oss". KI O TSUKETE (tenham cuidado!)
Até já se produziu uma lenda (...) que reza que essa expressão deriva do português. Não esquecer que no início dos contactos do Ocidente com o Oriente, depois do desembarque dos portugueses em Tanegashima, os japoneses adoptaram umas centenas largas de vocábulos derivados do português. Actualmente mantêm-se activos algumas dezenas, tendo aumentado entretanto o número de anglicismos. Mas ainda se diz "sarada" (alface), "conpeito" (confeito), "kasutera" (pão-de-ló; claras em castelo), "bitero" (vidro), etc. Diz-se (mt conveniente/) que quando os Nanban (bárbaros do Sul), os portugueses, começaram a desembarcar em Tanegashima, os locais se puseram à cata, a espreitar, a ver o comportamento desses bárbaros.
Quer fosse prá vinhaça, ou pra qualquer outro conforto, os portugueses terão começado a desembarcar barris, baús e artes diversas, sendo tal mister executado em certo ponto por dois homens, mais ou menos dobrados pela carga, e que com o esforço berravam qualquer coisa como "oss". Os Nippon terão ficado a conjecturar entre eles o significado desse ruído, desse dizer. Uns aventaram a hipótese de ser uma saudação, um cumprimento, uma vez que os nanban se curvavam ao dizê-lo... outros argumentavam que devia querer dizer bom dia ou boa noite, de acordo com a posição do Sol... outros ainda achavam antes que o bárbaro mais novo agradecia um conselho do mais velho... e assim sucessivamente. Segundo esta ancestral explicação do significado de "oss", ainda não se terá chegado a um consenso semântico.
Também se usa "oss" em certos rituais dos Yakusa... e é linguagem comum na rua entre os marginais e grupos de crime organizado, estando curiosamente relacionado com respeito, disciplina e obediência.

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Kancho Kanazawa - O mito verdadeiro

Com quase 80 anos, esteve mais uma vez entre nós, no Porto, o grande mestre de karate (SKI)  Kancho Hirokazu Kanazawa. Continua a demonstrar-nos que a arte marcial não tem idades, que isso é apenas um mero pormenor físico. Fica-se sem palavras quando se está perante um verdadeiro mestre, com tanto conhecimento acumulado e aparente modéstia. Arigatô O-Sensei!

Kancho Kanazawa, como já tem sido habitual, fez-se acompanhar do seu filho Sensei Nobuaki Kanazawa

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Contos Zen - As Enguias

Certo dia o venerável mestre Hogen, acompanhado de um discípulo, deslocava-se a pé para uma visita a um mosteiro de outra localidade, quando calhou de passarem por uma aldeia piscatória onde alguém fritava peixe. " Que rico cheiro a enguias fritas!" disse o monge. O discípulo escutou aquilo e ficou perplexo com o que lhe parecia uma flagrante contradição. Manteve-se no entanto em silêncio, seguindo os passos do mestre, ruminando na incoerente ideia do peixe frito... e isto durante alguns quilómetros. a Certa altura, já numa outra aldeia, não se conteve mais e exclamou: "Mas mestre!... Nós somos vegetarianos!!!"
O monge Hogen estacou o caminhar e dirigiu-se ao jovem questionando: "Afinal de que estás a falar?!... Hum, não me digas que ainda é do peixe frito?! Estavam boas as enguias!... mas eu deixeia-as lá... Será que tu ainda as trazes contigo?!!!

O sabor do Sal...

O sal é um gosto... constituído por sódio e cloro... venenosos quando isolados ... e quando juntos em excesso. NaCl. É lindo, mesmo quando ligeiramente toldado de vermelho, como acontece no Tibete... mas esse é dado ao gado. Sal e açucar têm quase a mesma cor, quando lavados pelo refinamento... Branco, ausência de pigmentos coloridos e no entanto a soma de todas as cores luminosas.
Sal (e açucar), só quero um pouco, uma pitada. Deixem que seja eu a escolher, a medir a pitada... doutro modo, não quero o sal (nem o açucar)!...

sexta-feira, 30 de abril de 2010

Shotokan... Shotokai?...


Shoto era o pseudónimo que o mestre Gichin Funakoshi usava para assinar os seus poemas. Lieralmente significa "Murmúrio dos Pinheiros".
Kai significa Escola e Kan quer dizer Dôjo (ginásio, edifício).
Mestre Funakoshi começou por chamar ao seu estilo de luta Okinawa-Te (mãos de Okinawa). Depois chamou-lhe Karate - Kara de Karappo (vazio) e Te (mão, mãos), como sendo uma arte marcial de mãos vazias, sem armas.
Com a proliferação de artes marciais (Budô), nomeadamente karate's, o mestre resolveu diferenciar o seu estilo com a referida designação do seu pseudónimo - Shoto, passando então a designar-se por Shotokai - a escola do murmúrio dos pinheiros. Ao sítio, o Dôjo-Sede do seu estilo chamou obviamente Shotokan.
Mais tarde, alunos dissidentes do Shotokai fundaram a Kyokai (conhecida internacionalmente por Shotokan, aproveitando o nome da Sede).
Actualmente, Shotokai e Shotokan continuam a ser irmãos desavindos, de relações cortadas. Os primeiros praticam um karate suave, mais interno e não competitivo. Os segundos um karate mais sólido, contraído e desportivo. Ambos contêm uma fatia da verdade porque, como diz Kancho Kanazawa "há um tempo para tudo".  O mundo não é só líquido como pretendem certos teóricos do Shotokai nem só sólido como advogam certos "atletas" do Shotokan. Complementando o Keiko com tai-chi ou Bô compreende-se melhor a dialéctica Yin-Yang do tai-chi-tsu.

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Livro de Reclamações = ASAE = DECO = Fraude!

Apresento-vos três entidades divinas, objecto de culto quase religioso pelos fazedores de opinião, nomeadamente os jornais, rádios e televisões - como sejam o Livro de Reclamações (LR), a ASAE e a DECO (Defesa do Consumidor). Também vos apresento outra entidade, do outro lado da balança, satanizada, que os mesmos meios de difusão de notícias e propaganda apontam como o mal - a Fraude. No entanto, o que pretendo dizer-vos é que amiúde tudo se mistura e não sobra distinção alguma entre o Bem e o Mal.

Começo logo pela própria DECO, de que fui associado até há bem pouco tempo, até concluir que não lucrava nada com isso, antes pelo contrário.

(continua)

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Arte do Chá - O Japão


Mestre Sen-no-Rikyu

Já referimos a origem da planta do chá, do aproveitamento ancestral da essência das suas folhas numa bebida refrescante e tonificante que chegou aos nossos dias, consumida por todo o mundo, de formas diversas e com maior, menor ou praticamente nenhum ritual.
Um dos primeiros países para onde a "mania" de beber chá se exportou foi o Japão. Segundo a história nipónica, o imperador Shomu terá servido chá no seu próprio palácio a 100 monges budistas, numa altura em que a planta ainda não era cultivada no seu império, deduzindo-se que as folhas já processadas tenham vindo da China. Igualmente se refere que as primeiras sementes da camellia sinensis terão sido levadas para o Japão por um monge chamado Dengyo Daishi, depois de ter estudado na China de 803 a 805 dC, tendo-as semeado no terreno do mosteiro e servido 5 anos mais tarde chá ao imperador Saga dessa primeira plantação. Diz-se que o imperador japonês apreciou tanto a bebida que ordenou imediatamente que se cultivasse chá em 5 províncias próximas de Quioto.
Curiosamente, entre o fim do século IX e o século XI, o chá caiu em desgraça e deixou de ser bebido na corte nipónica, por motivo de as relações entre o Japão e a China terem azedado. No entanto, os monges budistas continuaram a consumi-lo para facilitar a vigília durante a prática da meditação. Como não há mal que sempre dure (...) as relações políticas entre os dois países melhoraram, no início do século XII, e Eisai, um monge japonês, teve oportunidade de ir à China e regressar com mais sementes de chá e com o novo hábito de beber chá verde em pó, macha (lê-se  mátchá) (ainda hoje usado na Arte do Chá).
Eisai não se limitou a trazer sementes de chá... introduzindo também no Japão os ensinamentos da seita Zen Rinzai. Assim, o hábito de beber chá e as crenças budistas desenvolveram-se paralelamente, acontecendo que enquanto a ritualidade relacionada com o consumo do chá na China se foi diluindo, desaparendo mesmo, os japoneses fizeram o contrário, transformando os rituais em algo ímpar e sublime.
Daí adveio a Arte do Chá (Sadô, Chadô), materializada na Cerimónia do Chá (Cha-no-Yu), algo de tecnicamente complicado para o Iniciado, que exige um padrão comportamentel e gestual rigoroso, com o objectivo de criar um "intervalo" de Quietude durante o qual (Tori e Uke, em analogia com as artes marciais) o anfitrião e os convidados (quem oferece e quem aceita chá) tentam atingir paz de espírito e harmonia universal.
Antes das incursões guerreiras, os samurai (ou bushi - guerreiros) costumavam reunir-se para adquirir elevação espiritual. Como não sabiam se sobreviveriam à batalha, procuravam participar na cerimónia como se fosse a última vez. Por isso, ainda hoje, o anfitrião se empenha ao máximo para oferecer o melhor ao convidado, procurando tornar o mais agradável possível o encontro.
O monge-zen Murata Shuko (1422-1502) foi quem estabeleceu propriamente a Cerimónia do Chá japonesa. O ritual condensa os elementos fundamentais da filosofia nipónica, baseada em quatro princípios, segundo os ensinamentos de Sen-no-Rikyu (1522-1591). Este mestre, também monge-zen, definiu a estrutura estética do “Chanoyu”, como é conhecida hoje. Considerado o maior mestre do chá e fundador da Urasenke, a mais tradicional escola de Chá do Japão, Sen-no-Rikyu identificou os quatro princípios como sendo:

  1. WA - A Harmonia (com as pessoas e com a natureza);

  2. KEI - O Respeito (pelos outros);

  3. SEI - A Pureza (do coração e do espírito) e

  4. JAKÛ - A Tranquilidade.
Okakura Tenshin (1906) escreveu no seu Cha-no-Hon (Livro do Chá):

"O chá é mais do que uma idealização da forma de beber; é uma religião da arte da vida."
e prossegue:
                        "O ritual do chá é um culto fundamentado na adoração do belo entre os factos sórdidos da existência diária. Transmite pureza e harmonia, o mistério da caridade mútua, o romantismo da ordem social."

Miguel Torga - Purificação


PURIFICAÇÃO

Não é propositado o meu silêncio.
São as próprias palavras que não querem
Dizer nada de mim.
Cansaram-se do uso
E do abuso
Que fiz delas
A vida inteira.
Prostituídas na minha voz,
Que o tempo corrompeu,
Mentirosas nas horas mais sinceras,
Regressaram de novo à virgindade
Que lhes roubei.
E aguardam servir outra humanidade
Que comece por onde comecei.

M.T.,  Coimbra, 28 de Julho de 1979


segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Jacques Brel

Jacques Brel


LA CHANSON DES VIEUX AMANTS

1967


Bien sûr nous eûmes des orages
Vingt ans d'amour c'est l'amour folle
Mille fois tu pris ton bagage
Mille fois je pris mon envol
Et chaque meuble se souvient
Dans cette chambre sans berceau
Des éclats des vieilles tempêtes
Plus rien ne ressemblait à rien
Tu avais perdu le goût de l'eau
Et moi celui de la conquête

Mais mon amour
Mon doux mon tendre mon merveilleux amour
De l'aube claire jusqu'à la fin du jour
Je t'aime encore tu sais je t'aime

Moi je sais tous tes sortilèges
Tu sais tous mes envoûtements
Tu m'as gardé de pièges en pièges
Je t'ai perdue de temps en temps
Bien sûr tu pris quelques amants
Il fallait bien passer le temps
Il faut bien que le corps exulte
Finalement finalement
Il nous fallut bien du talent
Pour être vieux sans être adultes

O mon amour
Mon doux mon tendre mon merveilleux amour
De l'aube claire jusqu'à la fin du jour
Je t'aime encore tu sais je t'aime

Et plus le temps nous fait cortège
Et plus le temps nous fait tourment
Mais n'est-ce pas le pire piège
Que vivre en paix pour des amants
Bien sûr tu pleures un peu moins tôt
Je me déchire un peu plus tard
Nous protégeons moins nos mystères
On laisse moins faire le hasard
On se méfie du fil de l'eau
Mais c'est toujours la tendre guerre

O mon amour...
Mon doux mon tendre mon merveilleux amour
De l'aube claire jusqu'à la fin du jour
Je t'aime encore tu sais je t'aime.

frio em Paris

procurei-te no grand boulevard
e encontrei-te bem perto
 do triunfo
chamo-te a minha liberdade
e por isso
 te amo
...e me enches de saudade...

sábado, 13 de fevereiro de 2010

José Régio



Cântico Negro

"Vem por aqui" - dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...

sábado, 6 de fevereiro de 2010

Arte do Chá - As Origens


Contam-se várias histórias/lendas sobre a origem do chá, que como já foi dito deriva da camellia sinensis, algumas raiando notoriamente o inverosímel (puras lendas), como aquela (já influenciada pela cultura budista) que reza serem as folhas de chá nada mais que as pálpebras do Buda, que ele terá cortado no intuito de combater o sono e prosseguir a meditação.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Arte do Chá - Introdução (continuação)

Outro obstáculo inicial à compreensão do Sadô tem a ver com a imagem anterior que se tem do próprio chá, sobretudo num contexto inglesado.  Fala-se muito do "chá das cinco", em alusão ou comparação com os costumes e tradições ingleses, seguidos também por uma certa camada de portugueses mais ou menos aristocratas ou jet-setianos. Por outro lado, há muito quem refira, e tal já aconteceu no Café das Ciências Sociais, que o que determinada pessoa precisa é de beber muito chá, numa alusão pretensamente esclarecida (e altiva) de que essa pessoa é um bruto, rude, mal-educado, etc. Tudo isto advém dessa visão de fleuma britânica do "Tea", que não tem propriamente correspondência na verdadeira Arte do Chá.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Arte do Chá - Introdução



Não foi em vão que se apelidou este pequeno espaço de O Canto do Chá. Pessoas há que interpretam isso num sentido quase pejorativo, decorrente da expressão "dar chá", mas podem crer que tal nunca esteve na intenção do fundador deste blog. É certo que há uma certa similitude com a expressão O Café das Ciências Sociais, e tal é intencional, não o nego... mas é só isso. Apelidei este canto como do chá sobretudo pela veneração (e prazer) que tenho pela arte do chá e porque me parece ser o meio académico, nomeadamente de Ciências Sociais e Antropologia um bom terreno para a disseminação benfazeja desta arte.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

O Samurai e o Tolo


Numa tarde serena, quase se pondo o sol... deslizava entre ilhas uma barcaça com vários passageiros... entre os quais um bushi (samurai) japonês, famoso na arte de desembainhar o sabre (Iaidô). No meio de todos, um jovem descortinou-o, e ansiando por fama dirigiu a palavra ao mestre, rapidamente juntando tons de desafio. Sereno, o bushi resistiu à tola verborreia, à insenta e vaidosa fanfarronice do neófito. Porém, a insistência e zomberia do destemperado rapazola, ajudado por gestos, acabou por perturbar a a população da embarcação, de modos que o samurai acabou por aceitar o desafio.
Porém impôs uma exigência... a de que o duelo não poderia ser alí na barcaça, não apenas por falta de espaço mas também pelo perigo que poderia resultar para a integridade física dos outros passageiros. Sugeriu uma insula alí perto. O atrevido aprendiz de sabre aceitou e, logo que o barco tocou as ervas e limos da pequena ilha saltou para a mesma preparando-se para desembainhar a arma.
O samurai ajudou-o na tarefa com um certo empurraozinho e, logo que o sentiu com os pés em terra impulsionou a embarcação no sentindo contrário, continuando dentro da mesma.
O jovem incauto ficou sozinho na insula, esbracejando, combatendo com o vento, sozinho, como o verdadeiro tolo que era.
E o samurai continuou a viagem, com o sabre embainhado, como é próprio da mestria na arte do Iaidô.