quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Momentos de Chô-chô-san


I

Como diria JP, sei que jamais hei-de possuir teu corpo em flor... A vida é uma ilusão de ilusões... Mas, que fazer? Talvez o Mestre Zen tenha razão (cada vez acho mais que tem) e nada mais valha a pena do que ficar Sentado-Aqui-Agora... O amor, palavra com que habitualmente se designa essa doença da pele e do sangue, para que serve? Que é mais do que mais uma ilusão?
Passo o tempo, cada vez mais, a ouvir música... a sentir música... Não tenho dúvidas de que também é Maya (ilusão), mas... dá-se-me de uma forma diferente. Não me parece caprichosa, nem mesquinha... ilude-me com toques de divindade... parece renovar, ou pelo menos manter-me, o sangue. Chego a sentir a subtil ilusão de que sou feliz. A música, é a minha droga, o absinto e a morfina com que perfumo de jeito de viver numa pátria sepultada...
Sinto-me de Wenceslau de Moraes irmão. E de Camilo Pessanha, primo, aparte a minha falta de engenho literário. Portugal não merece nenhum deles, principalmente o segundo! Como eles vagueio pelo Oriente, embora do ocidente. E, como o primeiro, embacio o amarelo dos trevos, a vidraça, com a delicadeza do mátchá... Chá verde, tão puro, tão suave, e eu tão bruto... Chá e Wabi, e Sabi, e Amor, autêntico... E se tudo isto não é autêntico, não enxergo mais nada que o seja... A extraordinária beleza das coisas simples, indefinível por palavras... como tudo o que é lindo... ou deveria ser...
Como bolinhas de arroz e bebo vinho de ameixa... e vejo ou sonho com flores de cerejeira (sakura)... e ao fundo, como um deus ou um quadro, o Monte Fuji... Num movimento rápido, mas harmonioso, desembainho o sabre. A luz do Sol, e de todas as coisas, reflecte-se na lâmina do Katana e quase me fere os olhos. Resisto, ou melhor insisto, e, docemente, confirmo a linha do horizonte que divide o Céu da Terra... Durante minutos contemplo a força da não-força, a energia fluir de mim e para mim, os braços tensos e secos, descontraídos, firmes...
Volto a embainhar o sabre... e colho a frágil papoila da minha mente... Este, penso ser o caminho do amor embora, curiosamente, se assemelhe a um trilho escarpado para o abismo... É preciso ter asas para se amar o abismo, mas é essa a via dos seres ávidos de vida. Acho que, com o tempo, essa outra ilusão, compreendo cada vez melhor Mishima. E a tortura pelas rosas... e o chorar à chuva... e o Templo Dourado... e os cavalos em fuga... e o mar da fertilidade... e tantas outras coisas... e quase nada...
Dirijo-me a ti, borboleta... que povoas os meus sonhos de esperança... de coisas quentes e macias... Não atingi a serenidade do eremita, não sei se terreno jamais a conseguirei... não sei se a desejo. De bom grado trocava o avo da esmerada e possível serenidade búdica por um mundano aconchego teu! Sim, é um pedido, e por isso não passo de um miserável egoísta... mas, preferia muito mais dar do que receber!... Tenho os braços tão largos... e é tão oco o espaço que me roça o peito...
Não, não sou perfeito... nem sei se o quero ser! Bastava-me ser na-tu-ral... e o natural implica seiva, musgo, chuva, sol, lua, mar... E implica o abraço, a carícia da pele, o labirinto dos cabelos... Sinto a cama fria e isso diz-me de tudo aquilo que sonho...
O crepitar do fogo na lareira, o vento lá fora... A chuva fria fustigando a janela, e o banho quente, fumegante, confundindo o deslizar de coxas e mãos... e corpos, e tudo o que é intimamente cálido... Um toque de incenso e música morna, para sincronizar no abraço, o bater dos corações... e a lânguida e profunda entrega noite dentro...
Nesta imperfeição perfeita, e incoerente, sonho amar-te toda, todas as moléculas do teu corpo... todos os desenhos do teu espírito. E o vazio em mim é tão grande que não consigo dizer-te mais nada.
Beijo teus olhos e conservo nos lábios, assim o quero, a mais bela paisagem que já viste.

Shiro Ogawa

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