quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Depois da euforia, o retorno ao chá

Confesso que estranho a euforia, o espalhafato mesmo, com que tanta gente festeja o fim de um ano civil e o começo de outro, a passagem-de-ano. O que tradicionalmente faço é repetir o Natal no Ano Novo, o que nunca me parece demais.
Mesmo fruindo as noites junto à lareira, ronronando com os gatos, com as crias e restante família, em amena serenidade, não se consegue evitar ser bulido pela agitação da turbe.
Os tempos que se seguem são sempre de obrigatório retorno à calma, outra calma, quanto mais não seja pela maresia digestiva, a exigir caldos mais mornos e contidos.
E volta-se ao culto do chá. Retoma-se o retempero quotidiano do contraste com afazeres e movimentos repetidos. A temperatura exterior, provada pelo embaciamento dos vidros, convida a momentos-ilhas de reencontro da serenidade sob o bafo do macha. Por outro, lado convém recuperar gestos, arejar a memória, ultrapassar dúvidas... e manter no palato, por longos minutos, o sabor especial do puro chá verde.
  

3 comentários:

  1. O chá sempre presente! E tanta coisa podemos aproveitar na serenidade de certos momentos...!

    Já agora, e porque me lembrei, passo a citar um texto que li há pouco e que vem de encontro ao que aqui expôes:"Ora então bom ano a todos e nada de pânico com as notícias de crise, que a comunicação tem um perverso prazer em nos transmitir. Não digo que não haja pessoas em dificuldade – claro que as há – mas daí até instalar o país num estado de coitadite nacional vai um largo passo. Já vivi muito confortavelmente e também de forma muito simples – “primitiva” até para alguns – e descobri que se pode ser muito feliz, e também muito infeliz, das duas maneiras. O conforto material tem muito menos a ver do que geralmente pensamos. A felicidade é sobretudo de uma capacidade e uma atitude. Estudos recentes – deixem-me lá pôr o carimbo científico para a credibilidade – demonstram que o grau de felicidade ou de satisfação habitual de um indivíduo acaba por voltar mesmo após acontecimentos muito bons ou muito maus. Por isso, a menos que transformemos a nossa forma de apreciar a vida, mais dinheiro ou menos dinheiro poderá não fazer grande diferença. Quanto mais permanecermos no momento presente mais a beleza da vida nos encantará. O que estraga o prazer de cada momento é, muitas vezes, a comparação com momentos anteriores, a projecção de momentos futuros. É possível desfrutar, a custo zero, do ar matinal, do fulgor do Outono, da prata cintilante do rio, do simples prazer de caminhar e estar vivo. Felizmente nem a Troika, nem absolutamente ninguém, nos pode impedir de nos extasiarmos com o perfume da maresia, nem de viver de forma plena cada instante. O IVA da meditação não subiu e continua a custar zero cêntimos sentar-se para mergulhar numa quietude que, ao contrário do que às vezes se pensa, não é uma espécie de imobilismo inerte mas um entusiasmo vibrante e apaixonado, completamente permeado de ternura. Se a nossa presença no aqui e agora ainda é intermitente e hesitante – certamente o caso da grande maioria de nós – é ainda muito mais importante termos um objectivo de vida e, de preferência, que não seja apenas ter casa, carro ou estatuto social. Em caso de crise – seja ela financeira ou humana – os objectivos materiais são sempre uma grande desilusão. Muito mais gratificante é a certeza de que o que fazemos na vida é útil aos outros e mais ainda se o fizermos de forma desinteressada. A felicidade que retiramos de fazermos algo por alguém não tem preço. Um sorriso, uma palavra doce, não custa um cêntimo e transmite o que há de mais valioso na existência. A falência do sonho da opulência afinal pode não ser assim tão mau! Deixemos as troikas aos políticos e aproveitemos para rever as nossas prioridades e dar valor às coisas que mais contam e que, por natureza, são totalmente gratuitas. Aproveitar o momento presente, ser bondoso e sentir-se grato será sempre possível, com ou sem crise.
    Bom ano!"
    Tsering Paldron (Monja Budista)

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