Não sendo a cerimónia do chá (Cha-no-Yu) a plataforma mais adequada para se discutir a bola, dizer mal dos nossos políticos ou nutrir temas ainda mais hilariantes, os neófitos da arte do chá ficam constrangidos e até receosos sobre o que esperar duma "cena" daquelas e com dúvidas de como se comportarem. Essa situação de incerteza fica ainda mais marcada por depararem com algum exotismo oriental, por vezes o uso de kimono's e tatami's. Manter a serenidade é, entretanto, fundamental.
Sen-no-Rikyu, grande arquitecto do Sadô, costumava dizer que nada havia de especial na arte, que consistia apenas em juntar folhas de camellia sinensis com água quase fervente... e humildemente servir a infusão daí resultante aos convidados... O Mestre acrescentava ainda, quase à laia de desculpa, que era um inveterado bruto (que tal tivessem em atenção... pois mais nada era de esperar duma criatura assim)...
Aparentemente não é tão dificil assim. Depois de quebrado o gelo do constrangimento exótico, o neófito, de memória fresca e nutrida, observa o ritual do chá como algo fácil de decorar em poucos dias. E não está completamente errado, está a seguir a configuração natural do seu próprio tempo. Ser jovem é mesmo assim - ter certas faculdades aprimoradas, ser célere, desembaraçado, confiante, memorizador. O tempo, o mesmo tempo, se encarregará de lhe demonstrar que há um tempo para tudo.
A grande mensagem deixada por Sen-no-Rikyu é a do Sentimento (Kokoro, Kimochi). Assim, no contexto da arte, a técnica é bem pouco importante, comparada com o sentimento. Podemos até dizer que sem sentimento não há arte, por muita aparente técnica que exista. Saber disto, ter a noção desta forma de ver a arte, pode ser uma plataforma de alívio para o neófito mergulhado na confusão do Sentir a arte. Sem sentimento, de que vale a técnica?... Poderemos até perguntar, de que vale o chá?
Alguém já perguntou se a arte do chá não poderia materializar-se no consumo de café ou cerveja... em vez de chá. Pode dizer-se, respeitando o espírito da arte, que não seria a bebida ingerida que modificaria o essencial, desde que que com o apropriado sentimento. O chá funciona como um pretexto material para algo que se pretende mais sublime. O praticante da arte do chá gosta da bebida chá mas ela própria não constitui o mais importante da prática. Se não houvesse chá, poderia de facto ritualizar-se com outra qualquer bebida, mesmo com água. Quem oferece chá procura fazê-lo da melhor maneira, transmitindo o melhor de si.
Convencionou-se privilegiar o silêncio, ou pelo menos o desapego momentâneo a conversas mundanas e geradoras de preocupações. Quando se fala, no Cha-no-Yu, é sobre o próprio chá, sobretudo sobre os utensílios, sensações e prazer das coisas simples.
Gasshô
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